segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Eu chovo, tu choves, ele chove, nós chovemos... (para minha mãe)



Hoje eu acordei chovendo. Fazia tempo que os temporais que sempre aconteciam do lado de fora da minha janela não entravam casa adentro e me perturbavam como agora. É complicado chover. Chovendo a gente percebe como o tempo passa e como as coisas mudam, porque se tem uma visão geral do mundo no exato momento em que se chove.
Eu costumava mais florir do que chover, mas hoje, incompreensivelmente hoje, eu resolvi chover. Comecei bem de leve, sabe? Acordei brisando de madrugada e aos poucos aumentei a velocidade do vento. Conforme o tempo passava, ia reunindo em mim uma quantidade absurda de nuvens e aos poucos tornei-as negras como brigadeiro de padaria feito com Nescau Power (com extra chocolate). Fui dando corpo às imensas massas de água vaporizada enquanto algumas pessoas ainda dormiam sem saber o que se passava. Aí eu decidi adiar por alguns instantes.
Você já adiou chover alguma vez?
Pois é. Eu adiei porque no momento exato da primeira gota cair do meu peito, eu descobri que era mais forte do que eu mesmo. Descobri que podia controlar-me dentro da possibilidade de chover. E, felizmente, isso era bom. Controlar alguma coisa dentro de si é prazeroso no momento em que se descobre isso. Ao mesmo tempo em que descobri o controle de algumas coisas, descobri também como outras são inevitáveis. É. Inevitáveis.
Algumas coisas acontecem no momento exato e preciso em que devem acontecer. Como eu era bobo! Me sentia feliz com a ínfima possibilidade de controle quando, na verdade, EU era a inevitável possibilidade de me fazer chover.
Então chovi. Chovi, chovi, chovi...
Chovi de maneira tão liberta e preciosa que quando dei por mim, era só água. As paredes de casa, encharcadas de chuva, urravam e comemoravam a renovação clara e cristalina que acabara de acontecer. Minha janela escancarou-se pro mundo e as árvores entraram cantando uma melodia suave e fazendo coro junto aos pássaros que me suspendiam do ar. Eu havia chovido tão bem, que até fizera as pazes com o mundo...
Eu chovi. Chovi porque quando a gente ama e está longe, a gente chove. Chovi porque quando a gente precisa estar mais de dois lugares ao mesmo tempo, a gente chove. Chovi porque quando a gente quer atravessar quilômetros e quilômetros de distância pra abraçar alguém, a gente chove. Chovi porque quando se é aquilo que se é, a gente chove. E, o mais importante, chovi com a certeza de que o sol sairia depois; e saiu. Minha mãe me ensinou...

8 comentários:

Camila disse...

Que texto mais bonito, pessoa! Eu sou uma pessoa muito chuvosa. Estava agora pouco conversando com uma amiga sobre isso. Sobre a chuva que vem derrubando tudo em mim e em seguida o sol, o sol que surge forte... Ainda chovendo eu nunca deixo de crer no sol, de acreditar na sua existência. Mesmo quando o tempo está todo fechado ainda acredito na cor além do cinza, do dia além da chuva. Posso te dizer que gosto de chuvas, tanto a real, quando a chuva da gente. Acho ruim prender a chuva e sei que tenho enorme dificuldade de fazer isso... Chovo em qualquer lugar do mundo. Se a chuva estiver em mim, não importa quem esteja presente... E acho que é preciso viver a chuva, com toda intensidade. A chuva aos pouquinhos, gota a gota, é muito mais dolorosa. A chuva que venha forte, inundando tudo, o mundo, o tempo, o quarto. Acho que é preciso viver isso, libertar-se dela, deixá-la existir. Sem isso não haverá dia ensolarado.

Seu texto é mto bonito.... Mto mesmo. A sua mãe deve ser uma pessoinha mto especial.

Beijo grande.

OBS: "Eu chovo, tu choves, ele chove" é o nome de um livro de teatro infantil da Sylvia Orthof. Vc conhece?

Camila disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Gil disse...

Esse texto me faz pensar em como deixo de chover às vezes, bem nos momentos em que chover um pouquinho que fosse seria bom demais... Como não partilhar com vc essa necessidade que a distância nos impõe? Vc sabe o quanto te entendo...

Sol disse...

Primeiro: que texto lindo! Tão gostoso de ler, com todas essas metáforas tão bem colocadas, bem arranjadas, tão quase naturalmente expostas que sequer é necessário saber o motivo real que está submerso a tudo isso... basta ler e querer chover um pouquinho também.

Segundo: não sei se a chuva tinha um quê triste ou um qu~e alegre ou um quê libertador... ou o que quer que fosse! Mas não consegui deixar de pensar em como eu me comporto qdo chovo... Descobri que só sei chover de tristeza, por mais ínfima tristeza q seja... Já as maiores alegrias - caramba, q ódio!- estas não me fazem chover de jeito nenhum! Aí, como é q eu coloco pra fora tanta alegria ( a não ser num sol de sorriso?), se a chuva sempre parece tão mais grave e profunda?
Eu queria aprender a chover com sol!

Anônimo disse...

O texto é muito bonito. Gosto de textos que fazem a gente enxergar as coisas por novos prismas.

Meio assim... disse...

Putz, Ingor!

Nunca tinha pensado em chover e já tinha chovido tanto!!!

É bom aprender sobre essas coisas que saem dentro de nós, mesmo que para isso essa chuva tenha que doer... se é que chuva dói!

Eu acho que dói...

Anônimo disse...

Num doi não deixa chover.

Felipe Roberto Martins disse...

"A gente chove."

"Vem, antes que eu me vá, antes que seja tarde demais. Vem, que eu não tenho ninguém e te quero junto a mim. Vem, que eu te ensinarei a voar..."
— Caio Fernando Abreu