A janela no mesmo lugar. A mesma paisagem de antes. O mesmo ruído do vento nas copas das árvores. Mas ele não...O que ele era ontem, já não é mais. Por que será que as pessoas mudam tanto?
Até ontem ele sabia quem era. Sabia muito bem o que tinha feito de seus vinte e poucos anos de idade. Sabia todos os lugares que gostava de estar, as comidas que gostava de comer, os amigos que mais gostavam dele... Sabia até a placa do último carro de seu pai, o antigo número do celular de sua irmã, o nome completo do chefe de sua mãe, a data de nascimento do seu cão vira-lata que morrera há alguns anos. Ele sabia.
Movido por uma força que não se sabe se brota de dentro ou se impõe de fora, ele se questionava. Por que?!
Era ululantemente óbvio que era feliz. E como! Aliás, essa era uma das únicas certezas que ele tinha na vida. É estranho como o tempo passa e a cada dia achamos ter mais certeza das coisas. Acho que era isso que o angustiava: a certeza.
É tão melhor viver a vida sem se preocupar com a conclusão que vamos tirar dela. Deus sabia o que tinha feito e tinha certeza disso. Mas o homem adquiriu a certeza e pecou.
Então certeza é pecar?
De que valeria a vida se nos moldássemos a essa vã “filosofia”. Acho que não.
Um instante de silêncio.(é agora que o trem passa)
(...)
A ausência. Sem o barulho do trem, a gente pode ouvir o cantar das cigarras, feito pino de panela de pressão. Hoje não há cigarras por conta da chuva. Outro instante de silêncio. (Não me dei conta que o trem não tinha acabado de passar).
(...)
Gosto de ouvir o barulho do vento. Mesmo não podendo, sinto que estou voando. Ele também. Abre os braços em direção a uma lua que não está no céu e chora. Não de tristeza, porque não admite chorar de tristeza, mas de... de...
Não sei! Acho que nem todos os sentimentos foram nomeados. Esse é um exemplo deles: quando não se está triste nem feliz qual o nome que se dá?
Novo instante de silêncio (dessa vez não há nenhum trem passando, a não ser na cabeça dele).
(...)
Achava lindo ver as árvores dançando com o vento...
Enfim, talvez ele devesse dormir.
O outro dia traz sempre uma outra dança. E o vento... Ah! O vento vai estar sempre ali, dançando com as árvores. Afinal, “o que não temos, ou não ousamos, ou não conseguimos, podemos possuí-lo em sonho. E é com esse sonho que fazemos arte...”.
Pessoa. Ainda em tempo de sonhar...